A marcha inexorável do tempo não pede licença, não espera consentimento. Ela avança, silenciosa e firme, levando consigo os dias, os rostos, os gestos…, mas nunca as memórias.
Porque há vivências que resistem ao esquecimento, há encontros que desafiam os calendários, e há histórias que, mesmo trinta anos depois, continuam a pulsar no coração de quem as viveu.
Movidos por este sentir comum, os ex-militares da CLog 6 e seus familiares reuniram-se no dia 4 de outubro de 2025, no Regimento de Artilharia Nº 4, em Leiria, cidade que foi morada da Rainha Santa Isabel — figura excelsa cuja proteção espiritual se perpetua como padroeira da ilustre Companhia Logística n.º 6.
A manhã iniciou-se com a receção dos participantes na Porta de Armas do Quartel, onde cada presença foi validada e identificada com o rigor e a cortesia dos militares de serviço.
A capela do Regimento tornou-se o ponto de encontro para o início do evento, onde teve lugar uma missa de sufrágio pelos militares da CLog6 falecidos, presidida pelo Senhor Capelão Coronel Luís Morouço, Chefe do Centro de Assistência Religiosa do Exército. Antes da celebração da Eucaristia, o Senhor Capelão dirigiu-se aos presentes com uma postura descontraída e genuína, imprimindo ao momento uma atmosfera acolhedora, propícia ao recolhimento e à vivência espiritual. Nesse espaço de comunhão, foram evocadas as raízes profundas que entrelaçam os militares da CLog 6, designadamente: a missão comum; os valores como honra, disciplina, lealdade; as experiências vividas em conjunto, muitas vezes em contextos exigentes; a memória dos que serviram e dos que partiram.
Na Parada General Barros Rodrigues, decorreu o momento solene de homenagem aos militares da CLog6 falecidos, com a deposição de uma coroa de flores junto ao Monumento aos Mortos do Regimento. Um gesto carregado de simbolismo, respeito e memória, que dignifica aqueles que já não estão fisicamente presentes, mas permanecem vivos na memória coletiva.
Seguiu-se a tradicional foto de grupo — testemunho visual de mais um capítulo escrito na história da CLog6.
A tarde desenrolou-se em ambiente de confraternização, onde o convívio ganhou forma entre entradas, almoço e conversas que pareciam retomar exatamente onde haviam ficado anos antes. Os aromas que se espalhavam pela messe anunciavam um momento de partilha, e os sabores, uma memória em construção. O ambiente ganhava uma energia única. Não era apenas um almoço — era um reencontro com o passado, tecido em cada aperto de mão e gargalhada. Vivências de outrora que continuam a tocar-nos – centelhas sempre acesas, e sem que o saibamos, quando sopradas, são fogo ardente – génese da saudade. O Chef Raúl Silva compreendeu que, num reencontro como este, a comida é ponte entre histórias, entre silêncios e risos. E, nesse sentido, esmerou-se não apenas como cozinheiro, mas como anfitrião da memória.
Teve lugar a entrega individual de uma lembrança a cada participante, seguindo-se o corte do bolo comemorativo que selou o espírito festivo do encontro.
A despedida do XVII Convívio foi feita com abraços, promessas de novo reencontro e o sentimento profundo de que, apesar da marcha inexorável do tempo, há laços que não se desfazem.
Há trinta anos, pisámos o solo angolano sob o estandarte da paz, integrando a missão UNAVEM III — uma das mais complexas e desafiadoras operações das Nações Unidas em África. Hoje, ao reencontrarmo-nos como velhas guardas, não celebramos apenas o tempo decorrido, mas a memória viva de um capítulo que moldou quem somos.
A UNAVEM III não foi apenas uma missão militar ou diplomática. Foi uma missão humana. Num país dilacerado por décadas de guerra civil, fomos chamados a ser presença, escudo e ponte. Assistimos à dor, mas também à esperança. Acompanhámos o desarmamento, a reintegração de combatentes, a reconstrução de comunidades. E em cada gesto, em cada coluna que efetuamos, em cada conversa com a população local, deixámos uma marca — e trouxemos outra connosco.
Angola ensinou-nos a resiliência. Ensinou-nos que a paz não se impõe — constrói-se, dia após dia, com paciência, coragem e respeito. Ensinou-nos que a verdadeira força não está nas armas, mas na capacidade de ouvir, de proteger, de servir.
Hoje, ao olharmos uns para os outros, vemos mais do que camaradas — vemos testemunhas de uma missão que transcendeu fronteiras. Vemos homens que, longe de casa, escolheram a paz como desígnio. E mesmo que o mundo tenha mudado, mesmo que a farda tenha sido guardada, a missão continua viva em nós.
Que este reencontro seja mais do que saudade — que seja renovação. Que nos lembre que, onde quer que estejamos, continuamos a ser embaixadores da paz, da dignidade e da memória.
Muito obrigado. E que nunca nos falte a honra de termos servido juntos.
Num tempo em que a memória se reencontra com o presente e o reencontro se eleva à celebração, torna-se justo e necessário prestar homenagem àqueles que, com dedicação serena e espírito agregador, tornaram possível a realização deste momento e de tantos outros que o antecederam. Destaca-se Luís Augusto, verdadeiro impulsionador destes encontros, que, mesmo enfrentando sacrifícios pessoais, tem conduzido com firmeza e generosidade cada iniciativa até ao seu bom porto. A todos os que contribuíram com alma e compromisso, o nosso reconhecimento sincero e profundo.
Por último, resta agradecer ao Regimento de Artilharia 4 pela disponibilidade de acolher o XVII Encontro-convívio da Companhia Logística n.º 6 / UNAVEM III / MONUA.
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